Ainda não se sabe afirmar se filhos de grávidas e lactantes vacinadas também ficam imunizados
Recentemente, alguns estudos sobre o desenvolvimento de anticorpos em bebês nascidos de mães já vacinadas contra a covid-19 vieram à tona. Mas mesmo assim, ainda é incerto afirmar que estes bebês também estão completamente imunizados contra a doença.
Filhos de grávidas e lactantes vacinadas – o que esperar?
Os filhos de grávidas e lactantes vacinadas podem adquirir anticorpos. Mas o que não se sabe com precisão é de que forma é mais indicado. Neste caso, se refere à gestante se vacinar antes do nascimento do bebê, mas ao mesmo tempo fazer parte do grupo de risco. Ou ainda ela se vacinar após o nascimento da criança, esperando alguns dias. Neste artigo, vamos expor a opinião de Magda Carneiro Sampaio, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do HC.
Com a repercussão do bebê brasileiro que nasceu com anticorpos contra a covid-19 no mês de maio após sua mãe ter sido vacinada na gestação, ela opinou sobre o assunto. É preciso ficar claro que ainda não existe comprovação científica de que gestantes ou lactantes vacinadas imunizem seus bebês. Portanto, o tema gera muitas dúvidas.
Magda pesquisa há 30 anos esse fenômeno de passar anticorpos de mãe para filho, e explica que isso ocorre por duas vias: na gestação e na amamentação. Na primeira situação, ela conta que uma gestante “foi vacinada contra o sarampo, que entrou em contato com vários vírus da gripe”, e que tudo isso foi passado através da placenta.
Placenta
Além disso, é a placenta que possibilita o intercâmbio de partículas entre grávida e o bebê. Em relação aos anticorpos, existe um receptor na placenta que se gruda nessa molécula, que interage com ela e “passa, então, do lado da mãe pro lado do filho, da circulação materna para a circulação fetal”.
A professora revela que esta transferência ocorre logo cedo. Porém, grande parte da transmissão dos anticorpos acontece no final da gestação. E é nesta fase que é transmitida uma categoria específica de anticorpo, a imunoglobulina G (IgG): “é como se fossem muitas chaves diferentes, que vão encaixando em fechaduras diferentes”.
Já a segunda via de transferência acontece por meio do leite materno. Magda explica que, durante a gestação, muitas células do sistema imune migram para a mama, e lá produzem anticorpos. Estes, por sua vez, são secretados junto das proteínas e gorduras, constituindo o leite materno. Sendo assim, eles seguem transmitindo os anticorpos após o nascimento do bebê.
Imunoglobulinas A (IgA)
Nesta categoria, os anticorpos são diferentes. Isso porque, na gestação ocorre a produção e transmissão dos IgG. Já no aleitamento, são produzidas as imunoglobulinas A (IgA).
Além disso, a cada duas ou três horas, os bebês recebem por meio do leite materno esse anticorpo. E consequentemente ele vai se biodegradando.
Por outro lado, o IgG permanece no sangue por um tempo maior, e neste caso ele possui uma meia-vida maior.
A indução de anticorpos na covid-19
Por ser uma doença nova, pouco se sabe ainda sobre a imunização em bebês por meio do leite ou placenta da mãe. Mas muitos estudos já foram feitos com o objetivo de medir essa transmissão de anticorpos. Nos primeiros anúncios de casos de bebês que foram infectados pelo novo coronavírus enquanto ainda estavam na barriga, já se sabia dessa ligação na infecção.
Estudos
Portanto, na imunização não seria diferente. De acordo com um estudo realizado no final de 2020 na Holanda, um quarto das mães infectadas pelo Sars-cov-2, vírus que provoca a covid-19, tinham anticorpos no leite. E isso prova que mães transmitem anticorpos na amamentação.
Mas e as vacinas? Será que elas são capazes de promover a imunização dos bebês?
Segundo uma pesquisa da Universidade de Harvard, em que gestantes foram vacinadas com o imunizante da Pfizer, elas passaram anticorpos contra a covid-19 pela placenta. Assim como acontece com outros imunizantes. Com isso, o bebê já nasce com anticorpos.
Além deste estudo, um outro realizado em Israel, e também utilizando a vacina da Pfizer, mostrou anticorpos no leite materno tanto das mamães que foram vacinadas durante a gravidez, quanto das que estavam amamentando quando receberam a dose da vacina.
Mas quando é melhor se vacinar?
Por causa de todas essas evidências persiste a dúvida de quanto é melhor se imunizar: na gestação ou na amamentação. Para a doutora Magda, ainda não há uma conclusão, “mas existe resposta boa nas duas”.
Por outro lado, ainda não se sabe se essa transmissão de anticorpos é suficiente para imunizar o filho. Ela revela que como se trata de uma infecção nova, não houve tempo hábil para realizar estudos de longo prazo que acompanhem se os anticorpos permanecem no sistema imunológico desses recém-nascidos.
Ela diz ainda que sua eficácia ainda é incerta: “o que a gente sabe é que, como para outras doenças, mal não vai fazer”.
Vacinas
É preciso validar aqui que cada vacina reage e produz uma resposta imunológica diferente. E além da Pfizer, as vacinas Moderna e AstraZeneca também induzem anticorpos no leite.
Entretanto, a Coronavac, amplamente aplicada no Brasil, também é uma ótima opção para gestantes no que tange à indução de anticorpos em bebês.
A própria professora Magda conduziu um estudo com funcionárias lactantes do HC. O resultado foi que ao serem vacinadas com Coronavac entres três e quatro meses após o nascimento dos bebês, foram produzidos anticorpos no leite. E depois da segunda dose, os níveis ficaram mais altos ainda.
Magda comentou que ela e pesquisadores do HC já estão desenvolvendo outra pesquisa que, pelos resultados preliminares, evidenciam que mulheres vacinadas na gestação com a Coronavac também conseguem transmitir anticorpos pela placenta. Sendo assim, esses bebês já nascem com muitos anticorpos, e seguem recebendo uma “quantidade enorme” deles pelo leite materno.
Vacinar o quanto antes
A pesquisadora ressalta que não se sabe se existe um período ideal de vacinação para a gestante e/ou lactante. No caso do foco ser o filho, ela afirma que talvez fosse melhor se vacinar no começo do terceiro trimestre de gestação.
Mas no caso de doenças como a coqueluche e o tétano, em que os recém-nascidos ficam suscetíveis, a estratégia adotada é a de vacinar a mãe na gestação para protegê-lo. Entretanto, pelo fato das gestantes serem do grupo de risco na infecção por covid-19, devem ser priorizadas.
“Muitas mulheres grávidas pegaram Covid e tiveram uma evolução muito ruim. Houve casos de mortes e de bebês que nasceram prematuros.”
Com todas essas evidências, ampliadas pelo extremo risco da pandemia, a prioridade deve ser a seguinte: imunizar a mãe o quanto antes para que o bebê possa nascer saudável.
Foto: Divulgação/Prefeitura de dormentes